![]() |
Compre |
DIAVOLO é um álbum de 2016, consagrado por muitos fãs como o melhor álbum da banda, logo na capa podemos ver a inscrição em italiano “TRE DIAVOLO” ou “os três diabos”, e um pouco mais abaixo os dizeres “para canibais, sapatonas, bichas, pervertidos + estupradores”. Calma, não espere que esse álbum seja uma declaração homofóbica ou sobre qualquer coisa aparentemente relacionada, não será! Note que logo de cara podemos perceber que o álbum não vem pra brincadeira, adianto que os temas são pesados e não serão tratados de forma diferente nas composições!
Antes de começar precisamos de algum contexto: veja, the GALLO é uma banda que faz uso de um estilo eroguro, ou seja, usam muitas ferramentas eróticas e grotescas em suas composições e visuais. Eles também usam como filosofia pessoal a metáfora de “devorar” as coisas, eles são devoradores de sonhos, pesadelos, tristeza, dor e tudo o que há, dizem ser uma manifestação de “amor” para com os fãs (o que se torna facilmente compreensível quando você aplica o conceito de eroguro).
Aqui não haverão interpretações literais, nessa análise levaremos em consideração os símbolos dessa linguagem e as referências históricas utilizadas no álbum. Lembre-se, poesia é maravilhosa porque, muitas vezes, nos permite múltiplas interpretações, darei uma visão aqui, mas não a entenda como se fosse a única possível.
Ouça enquanto lê!
Quem são os 3 diabos?
Esses diabos provavelmente são INCUBUS, SUCCUBUS e BELIAL, que são os nomes das 3 faixas-título dos singles lançados apenas alguns meses antes de DIAVOLO.
Primeiramente the GALLO nos apresenta INCUBUS, que é demônio de forma masculina que invade os sonhos das pessoas, relacionando-se sexualmente com elas e drenando sua energia. Depois, SUCCUBUS, igual ao íncubo, porém como um demônio em forma feminina. E por fim BELIAL, onde se da a ambientação de algumas das músicas ligadas ao DIAVOLO: a segunda guerra mundial.
O importante sobre os 3 diabos aqui, é que eles nos mostram 3 aspectos que serão explorados no álbum, em INCUBUS, um manifesto: os íncubos são os membros da banda, que narram e devoram o que se faz necessário. Em SUCCUBUS vemos relações de abuso e poder, em especial as que deixam mulheres em posição de vulnerabilidade e em BELIAL são abordados os temas anteriores, mas nos colocando mais ou menos nos anos de 1930 à 1945 e, por consequência, retratando situações dos períodos de guerra.
LA LALALA LALA LALALA (8
The GALLO começa o álbum tal como inicia o conceito nos singles, cantarolando um lalala seguido de gritos. 夢魔(muma) -INCUBUS- é a faixa que invoca o primeiro dos demônios do álbum, e nos apresenta um dos conceitos mais explorados aqui: um hedonismo grotesco, nitidamente recheado de abusos e de uma sedução assassina.
Segundo a crença, o íncubo é um tipo de demônio de forma masculina que invade os sonhos de uma pessoa a fim de ter relações sexuais com ela. Ele faz isso para drenar a energia da vítima para se alimentar.
Nessa primeira faixa de DIAVOLO, somos inseridos em um cenário mórbido, nas sombras de uma cidade onde "famintos íncubos acabaram de despertar".
Além dos íncubos, uma segunda figura nos é apresentada nesse álbum alguns versos adiante:
As luzes dos arco-íris controlam os sonhos das crianças nessa cidade, e, no cortejo aos mortos, zombam dos que buscavam pelo prazer
Começando pela fala "luzes do arco-íris", que aparece escrita dessa forma mas na letra é cantada como "neon", muito provavelmente fazendo referência às luzes neon do conhecido "distrito da luz vermelha" de Kabukicho, em Shinjuku (Tóquio) por causa das letras que virão a seguir. Pra quem não sabe, os distritos da luz vermelha são regiões onde há grande concentração de estabelecimentos voltados para o entretenimento adulto. Ao dizer que "as luzes neon controlam os sonhos das crianças", the GALLO faz referência às prostitutas e como suas vidas são controladas por essa maneira de viver e, quando traça um paralelo entre as luzes do arco-íris e as luzes neon, é como se eles quisessem dizer que mesmo sendo prostitutas, elas são apenas crianças, de certa formas, puras com sua ingenuidade e inocência (visto que, em japonês, é comum chamar moças jovens de 子(ko = jovem), parte da palavra 子供(kodomo = criança), acho que da pra dizer que é o equivalente japonês para o termo "mina", que nós usamos para falar de garotas).
Mais a frente, no refrão, o eu-lírico que antes parecia ser um mero narrador, agora parece se transformar em uma dessas mulheres no primeiro verso, e no segundo, no próprio íncubo:
Com os maços de dinheiro que acumulou, você se afoga nesse jogo de amor, comprando amor, comprando sonhos, comprando a mim
Com os maços de dinheiro que acumulou, você se afoga nesse jogo de amor, querendo vender sua felicidade
No primeiro verso, referindo-se aos clientes dessas prostitutas ou talvez a um cafetão (cafetina), que vem controlá-la em sua vulnerabilidade e, com dinheiro, vem e domina seu corpo. E no segundo verso, referindo-se a essa mulher, que em seu estado de fragilidade tenta vender tudo que tem em si, incluindo sua felicidade.
Ainda em INCUBUS, the GALLO vem e usa de sua alegoria tradicional de devoradores, colocando-se na posição de íncubos:
Nós devoramos sonhos nesse jantar de mau gosto
Nós devoramos sonhos nesse jantar infame
Como se fosse uma introdução do papel da banda com relação as críticas que estão para fazer, tal como já foi dito em entrevistas anteriores: eles se alimentam dos sonhos/pesadelos de seu público, e de suas alegorias. Em INCUBUS, somos jogados no primeiro e mais comum ambiente de DIAVOLO, um beco repleto de prostíbulos e demônios que só atacam à noite. Esse álbum veio para narrar um pesadelo, e esse pesadelo há de ser devorado.
Demônio do Tormento e Demônio do Cárcere - Belial e Astaroth
Em seguida temos o demônio do cárcere, Astaroth que, particularmente, acho que deveria ter sido colocada depois de BELIAL e o porquê ficará claro mais pra frente.
獄魔 (gokuma) -ASTAROTH- nos trás em seu primeiro verso uma afirmação um tanto quanto escandalosa, que é muito importante pra que comecemos a analisar a próxima música:
O Diabo rola de rir do legado do Grande Império do Japão.
O que há pra se rir sobre o legado do Grande Império do Japão?
嬲魔 (douma)-BELIAL- se inicia de forma sombria, citando as siglas de sete regiões da ásia fortemente envolvidas em eventos históricos: Japão, China, Manchúria, Filipinas, Tailândia, Myanmar e Indonésia.nichi ・ chuu ・ man ・ hi ・ tai ・ men ・ in
O que esses países tem em comum? A resposta: em algum momento entre 1930 e 1945 esses países foram vítimas das invasões e massacres do Império do Japão.
Uma das músicas mais pesadas da banda, se não for a mais pesada, conta com um ar de nostalgia, triste à sua maneira, as memórias do Japão sobre as atrocidades causadas nos períodos entre anos anos 30 e o final da Segunda Guerra Mundial.
Vendo estrelas caindo na noite do fim do mundo.
Lembrando do sabor das mulheres da China vendo a chuva de aço cair.
Ao longo da década de 30, o Império do Japão executou um programa de expansão territorial extremamente agressivo e, relacionando isso exclusivamente a China pra contextualizar na citação acima, posso citar a Primeira e a Segunda Guerras Sino-Japonesas e o Massacre de Nanquim, também conhecido como Estupro de Nanquim (que aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial), sendo esse último, como podemos supor pelos seus nomes, um episodio de assassinato e estupro em massa, cometidos pelas tropas do Império Japonês contra a cidade de Nanquim, na China, tendo a duração de 6 semanas, no ano de 1937. De acordo com o Wikipédia, "o número de mortos no massacre não pode ser estimado com precisão porque a maioria dos registros militares japoneses sobre os assassinatos foram deliberadamente destruídos ou mantidos em segredo logo após a rendição do Japão, em 1945."
No trecho citado acima, quando ele se refere a China, usa a escrita 支那 (shina), que, depois dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, passou a se tornar ofensiva.
Além da China, os outros países citados também sofreram muita violência nas mãos do Grande Império, tendo sido invadidos e ocupados em prol do ultra-nacionalismo do Império do Japão e suas politicas de expansão territorial.
Tendo esse contexto ilustrado, você pode imaginar as "estrelas caindo" e a "chuva de aço que cai" como trocas de tiros.
Daí a música segue rememorando as desgraças que aconteceram no submundo desses eventos tão terríveis:
Das profundezas dessa latrina um morto encara, das profundezas dessa latrina um morto estende a mão
Banhando-se eu seu adorável sangue fresco, o desejo alucina-o, inchando sua viril genitália.
(...)
Em desespero, conhece a prostituição, conhece o estupro, conhece o assassinato
Cantando a última canção para você, meu querido e lastimoso amor,
lembro-me de todo o número de pessoas que foram mortas na guerra.
menininhas foram mortas (menininhas foram estupradas)
moças foram mortas (moças foram estupradas)
mulheres foram mortas (mulheres foram estupradas)
senhoras foram mortas (senhoras foram estupradas)
E encerra:
Vamos cuspir na paz que os Aliados fabricaram e seguir para o paraíso.
Afinal, dentro desse contexto o encarcerado pode muito bem ser um criminoso de guerra, que, condenado a pena de morte, será conduzido à forca, tal como foram tantos membros das forças armadas do Império Japonês no período imediatamente pós-guerra.
[alguém] abre o portão de ferro No. 13, e, vestindo um capuz preto, recitava o Nenbutsu. Os 13 degraus rangem enquanto o criminoso sobe para a forca e sua glória é amaldiçoada.
Demônio da Desgraça -BEHEMOTH-
Logo depois de sermos apresentados ao sangrento cenário de guerra, e ao seu respectivo momento na história, somos colocados em um novo ultraje.
No começo de 凶魔 (kyouma)-BEHEMOTH- podemos ouvir um falatório, um som com estática que parece ser de várias pessoas se divertindo, pois podemos ouvir risadas. Então a música começa, nos inserindo em Shinjuku mais uma vez, só que agora, sem entrelinhas:
Em Shinjuku Sokai os Soldados de Ocupação e Guerra só fazem desafiar as regras
Apesar de não ter total certeza sobre isso, vou levar em consideração que "新宿租界" (shinjuku sokai) seja o salão de apostas que fica na região, onde aposta-se em diversas formas de corridas (cavalos, bicicleta, barcos, etc). 租界 (sokai) significa concessão, então pode também se referir a áreas ocupadas por população estrangeira que citei em BELIAL, onde o objetivo era expansão territorial.
Nessa música, poderíamos ter a ilustração de um momento que poderia ou não ser cotidiano (mesmo que em situação de guerra), poderia estar mostrando os soldados do Império (cuja função era ocupar outras regiões, como acabamos de ver) num momento de descontração, se não fosse por seu legado:
Em profunda pobreza, fazem repetidas ameaças enquanto se embriagam com bebidas baratas
O bilhete da aposta da corrida da semana em que seus futuros foram confiados, caiu e ficou boiando na privada
Palavras da Grande Revolução são colocadas em músicas e as canções ressoam na Grande Tóquio
Em Shinjuku Sokai, esfaqueiam uma prostituta, desafiando o mundo
Em meio ao caos, estupraram-na repetidamente enquanto assoviam
O que poderia ser um alivio para a imagem que foi pintada até agora sobre o exército se torna ainda mais bestificada. A atividade corriqueira que diverte e promove a descontração que podemos ouvir no começo da música, com pessoas rindo e conversando livremente, que poderia ser a de apostar numa corrida de cavalos, por puro entretenimento, agora é transportada pra violência, e dessa vez, a violência não é direcionada à população estrangeira como em BELIAL, e sim direcionada a população do próprio país.
A atividade que poderia (ou até mesmo deveria) ser o foco desses soldados é deixada em segundo plano, "O bilhete da aposta da corrida da semana em que seus futuros foram confiados, caiu e ficou boiando na privada": os soldados, profundamente pobres, pegam tudo que tem para ir apostar em uma corrida em algum salão de apostas de Shinjuku, envolvidos em sua embriaguez, perdem o bilhete da aposta e, depois disso, seguem cantando sobre a Grande Revolução pelas ruas da cidade de Tóquio ("Palavras da Grande Revolução são colocadas em músicas e as canções ressoam na Grande Tóquio"). Não satisfeitos, pra demonstrar sua ferocidade, esfaqueiam e estupram uma prostituta, ação que é colocada como se os personagens dessa terrível narrativa achassem o ato corriqueiro "Em meio ao caos, estupraram-na repetidamente enquanto assoviam"
Daqui, the GALLO segue mostrando um lugar diferente nesse mesmo cenário:
Um nascido nessa era obscura assina um contrato com o diabo
Um nascido nessa era obscura vende a alma para o diabo
Agarrando a gola de um maricas e pegando uma seringa, tomam metanfetamina
Explorando ainda mais esse submundo de prazeres doentios, temos a imagem de duas crianças, a primeira, desesperançosa, está assinando um contrato com o diabo para "vender sua alma", e a segunda em situação aparentemente tão ruim quanto, está fazendo uso de drogas.
Aqui podemos observar que o termo escrito na letra se refere a esse segundo personagem como "prostituto", porém quando cantado, refere-se a ele como "maricas".
Podemos concluir que, quando é cantado que "um nascido nessa era assina um contrato com o diabo", the GALLO se refere a uma pessoa que, por ter nascido numa situação tão adversa, em seu desespero, passa a se prostituir (sendo o diabo possivelmente um cafetão) e, junto com um outro rapaz que se encontra na mesma situação, faz uso de drogas, talvez pra tentar amortecer sua triste realidade.
Logo em seguida voltamos para o refrão, onde os soldados estão bêbados e cantando pela cidade. Na cidade onde eles estupram e matam livremente, a mesma cidade onde jovens meninos veem como única saída a prostituição e a metanfetamina.
E enfim, eles concluem:
Os demônios devoradores de sonhos estão famintos e impacientes.
Quem são os Demônios Devoradores de Sonhos?
Demônio do Massacre -ZIZ-
ZIZ é uma criatura da mitologia judaica, descrita como um grande pássaro com características de grifo, cuja função, segundo a lenda, é guardar o Ar (na mesma mitologia há também Leviatã como a besta do mar, e Behemoth que era a besta da terra). Seguindo essa lenda, o que mais nos interessa para essa análise é saber que Ziz também é conhecido por seu canto celestial, comparável ao lamento de uma fênix.
殲魔 (senma) -ZIZ- encontra-se bem no meio do álbum, e mostra alguém, talvez a própria criatura, oferecendo sua canção de luto para os mortos e observando o comportamento dos que sobreviveram.
Ofereço canções para acalmar as almas revoltosas nas tumbas sob o céu estrelado
As pessoas que mergulharam em uma falsa paz e que perderam a guerra riem com desprezo
As pessoas que acreditam na falsa paz e as que se esqueceram de suas feridas apontam e riem
Como se sentir luto pelas mortes que aconteceram até aqui fossem passíveis de zombaria, como se não fossem importantes ou como se nós não devêssemos lidar com elas com seriedade. Eles apontam e riem, zombando do luto, caçoando da morte.
Depois, segue narrando o destino dos traidores, (que aqui, podem ser os que traíram o Império, ou os que traíram a vida) que encontram-se revoltados com sua pena:
anunciando a pena de morte aos traidores depravados
[que] traídos pela sociedade e atingidos pela culpa, percebem que não há valor em proteger as pessoas e massacram-nas
Cita também o luto, não somente o luto amigo, como aquele que sentimos ao perder um amigo ou um parente, mas o luto por toda a vida que se perdeu:
Seu companheiro queima e morre. Seu inimigo queima e morre. A vida queima e morre.
Continuo procurando motivos pra lutar e desculpas pra ter nascido sem ser capaz de fazer coisas como abrir minhas asas e voar.
殲魔 (senma) -ZIZ- no meio do álbum vem como um alivio sobre os penosos temas tratados até então, vem com alguma tristeza, oferecendo sua melodia e seu luto às almas que foram mostradas até aqui, e dando um olhar de pena aos que se encontram revoltados por suas punições.
Demônio da malícia - LEVIATHAN
Depois dessa respirada, voltamos aos poucos ao ritmo eroguro do álbum. Em 姦魔 (kanma) -LEVIATHAN- voltamos para os becos de Tóquio e vemos a história de uma prostituta, que, sob o mesmo céu estrelado da faixa anterior onde uma canção de luto era dedicada às almas revoltosas, está largada numa montanha de lixo tentando ouvir a melodia de uma balada de inverno.
Largada numa montanha de lixo de um beco, contemplava o céu estrelado de Tóquio
Concentrava-se pra ouvir uma balada de inverno, enquanto flocos de neve dançantes derretiam-se em suas bochechas
Em seguida, como se a primeira estrofe fosse o final da história, nos é mostrado o começo:
No cruzamento onde seus destinos se encontraram, parada no sinal vermelho carregando nos braços os desapontamentos,
estava gritando e chorando sendo empurrada pra dentro de um Mercedes que brilhava na escuridão
toda vez que era violada por um ritmo obsceno, o amanhã ficava encoberto por lágrimas
afundava-se num mar de vômito, mergulhava em vodka e num amor não correspondido
Os ponteiros do relógio marcam o destino, informando a hora do prazer nas sombras do silêncio
enquanto estava gritando e chorando sendo empurrada pra dentro de um Mercedes que brilhava na escuridão
toda vez que era cercada por um ritmo atraente, o amanhã ficava encoberto por lágrimas
afundava-se num mar de vômito, mergulhava em vodka e num amor que gostaria de esquecer
A letra mostra, basicamente, a rotina de uma prostituta, consumida por sua tristeza em seu estilo de vida insustentável, e no final (ou começo), mostra seu estado moribundo após os acontecimentos:
Largada numa montanha de lixo de um beco, contemplava o céu estrelado de Tóquio
Concentrava-se pra ouvir uma balada de inverno, enquanto flocos de neve dançantes derretiam-se em suas bochechas
AGIDA ・ META ・ MEGA ・ META ・ ANBURIDA
Então, novamente sob um sombrio lalala, o último dos Três Diabos é invocado. No mesmo universo de prostituição e de um hedonismo insustentável, 夢魔 (muma) -SUCCUBUS- nos faz voltar para Shinjuku Sokai, o possível salão de apostas de Kabikucho (Tóquio):
Carcaças de sonhos reúnem-se sob a luz neon, recitando feitiços de “amor” em Shinjuku Sokai
Apesar de revivermos o pesadelo de 夢魔 (muma) - INCUBUS, agora, não temos mais o conceito de devoradores de pesadelos que nos foi apresentado anteriormente, do contrário, seguimos mostrando a rotina das prostitutas, dessa vez não as que se vendiam para os ricos e figuras importantes do Império do Japão como na faixa anterior, mas provavelmente as que se envolviam com os soldados, como se fosse contextualizada em BELIAL e INCUBUS simultaneamente, porém sob um ponto de vista diferente.
Abrindo as portas do cabaré mulheres excitadas em fila se viram e sorriem, esse mundo tem cheiro de maconha e está rodeado por demônios
Agora, nossos personagens são Carcaças de Sonhos e Demônios Devoradores de Sonhos que, através de um cenário fantasioso rodeado de magia, drogas e sordidez, temos Prostitutas, Cafetões e Clientes.
Ainda como em INCUBUS, o sentido da música é mostrar um sonho a ser devorado mas, dessa vez, não devorar o pesadelo que é narrado pelo álbum, como na interpretação de INCUBUS que sugeri, mas mostrando pessoas que devoram pessoas, levando em conta tanto o Cafetão (Demônio Devorador de Sonhos, que pode ser uma mulher, assumindo assim o papel de Súcubo) que consome a mente e extorque tudo das prostitutas (Carcaças de Sonhos) deixando-as em situação vulnerável, quanto os clientes que consomem seus corpos (também podendo ser Demônios Devoradores de Sonhos).
O último demônio: Demônio da lascívia -BELPHEGOR-
Muito se diz sobre Belfegor, mas para essa análise só precisamos saber que algumas culturas acreditam que Belfegor é um demônio que muda de forma, tomando a forma de belas mulheres pra seduzir pessoas que cairiam em suas artimanhas, ele é considerado também uma "divindade fálica", associada a sexo, orgias e todas as formas de devassidão em geral. Também dizem que Belfegor foi enviado à Terra por Satanás para descobrir se o "amor conjugal" era real, ou uma falácia que poderia ser aproveitada por seus seguidores.
O álbum começa com um manifesto, e termina da mesma forma. Em 淫魔 (inma) -BELPHEGOR- somos mantidos no mesmo cenário que nas músicas anteriores, mas agora temos uma critica dual, tanto relacionada ao contexto em que já estávamos inseridos como uma que podemos considerar atual.
No meio da noite o quarto é uma utopia, na escuridão da noite a cama é um parque de diversões
Começamos com a primeira metáfora logo no primeiro verso, "parque de diversões", aqui, não é literal e entenderemos o porquê um pouco mais adiante.
Em agonia mortal, montando elegantemente no carrossel que é o instrumento de tortura desse demônio
Vamos lá, logo de cara a imagem mental que criamos com a música é de algum tipo de parque de diversões doentio, podemos imaginar as luzes, os brinquedos, mas não é, bem... ao menos não pra protagonista dessa música, na verdade, esse parque de diversões provavelmente é algum tipo de masmorra (metafórica ou não), onde o carrossel em que ela está montada é um cavalo de madeira, não aquele dos carrosséis mesmo, mas aqueles usados como instrumento de tortura. E vamos além ao perceber que provavelmente todos os brinquedos apresentados durante a música são também facilmente ligados a instrumentos de tortura. (Vê-se no decorrer da música uma roda gigante, uma montanha russa de cabeça para baixo e a cabine de um Freak Show, além dos elementos que não são brinquedos como o cheiro de óleo e a sensação de incontinência).
A segunda impressão que podemos ter da música é que ela seja uma declaração de amor (do jeitinho do the GALLO, bem grotesco), que, poderíamos imaginar que seria direcionada a um prostituto quando é cantado "Livremente, gasto dinheiro com belos homens nessa utopia engolida por pesadelos" porém, ao imaginar que os brinquedos sejam instrumentos de tortura, agora essa declaração pode muito bem ser para o torturador.
Mas ora! Como poderia alguém não só gastar dinheiro com um torturador, mas também estar apaixonado por ele? Pois vejam, não está:
À noite, meu corpo dói por causa do Demônio Devorador de Sonhos que me faz abraçar a paixão que sinto por você, querido
À noite, penso em você por causa do Demônio Devorador de Sonhos que me faz abraçar homens que não são dignos de amor
O responsável pelas torturas registradas nessa música é, mais uma vez, o Demônio Devorador de Sonhos, que já vimos que muito provavelmente são os clientes e cafetões (tinas) de uma prostituta.
Reforço esse ponto de vista ainda no trecho acima onde diz "me faz abraçar a paixão que sinto por você", que também pode ser traduzido como "que me faz abraçar a decadência [em que me encontro] por você", duplo sentido nitidamente proposital levando em conta essa interpretação da música.
Ainda há mais um elemento que nos contextualiza nesse ambiente: o clipe da música. No MV, the GALLO se apresenta em um lugar deteriorado e pequeno onde podemos ver celas, o cavalo de tortura que mencionei e, no fundo, uma gaiola onde Vivi (a boneca que é mascote da banda) está dentro. Nas cenas secundárias, estão presos e com roupas de dormir (cujo simbolismo já foi apresentado lá no começo do álbum, em INCUBUS, quando eles se colocam na posição de demônios devoradores de sonhos/pesadelos).
Ou seja, nesse contexto, a música seria sobre uma prostituta que se encontra presa a um bordel, sua cadeia, onde é sexualmente torturada por seus clientes e mentalmente abusada por seu cafetão (cafetina). Mostrando a natureza violenta e patriarcal desse submundo de prazeres que boa parte da sociedade finge não existir.
Como critica atual, podemos olhar de forma mais simples, sem levar em consideração o contexto do álbum, como sendo uma música sobre relações vazias e, por consequência, torturantes. Onde uma mulher pega o seu dinheiro pra sair por aí com diversos homens que não merecem seu amor e que o sexo, assim vazio, é uma tortura. Nesse caso, o Demônio Devorador de Sonhos poderia ser ela mesma, ou uma parte dela, que simplesmente não consegue evitar esse comportamento, ela pensa nesses homens, mesmo sentindo dor, porque à noite, sozinha, seu vazio existencial a consumiria se não se comportasse dessa maneira. (ponto de vista que poderíamos usar em boa parte das músicas do álbum, se assim quiséssemos)
Pra acabar (
Sobre as diferenças na Teoria da Felicidade, a questão é se dedicar-se a um amor geométrico é ou não é a causa principal
Prevemos que esse debate aproxima-se do fim, [a medida que] o Galloísmo investiga como se organizava a história do submundo
Eis o que eu afirmo ser o "manifesto de encerramento" do álbum quando digo que ele termina da mesma forma que começa. Os termos em japonês pra descrever a Teoria da Felicidade e o Galloísmo são paralelos (幸福論 (koufukuron) e 黒鶏論 (kokkeiron), respectivamente) o que nos permite colocá-los em comparação, sendo que a Teoria da Felicidade pode se referir a qualquer contexto social que defina felicidade, e o Galloísmo se trata de todo o conceito da banda desde o seu inicio.
Desde suas primeiras músicas, the GALLO sempre fez esse tipo de critica sobre a sociedade, com sua personalidade grotesca, sempre colocou em questionamento os comportamentos das pessoas em suas formas de se relacionar com as outras. Sendo Belfegor o demônio enviado por Lucifer para descobrir se o "amor conjugal" (ou como na música "amor geométrico") era algo real ou uma falácia que poderia ser usada em favor demoníaco, the GALLO encerra dizendo que seu Galloísmo foi criado para chafurdar essa lama, e que eles irão além de qualquer Teoria da Felicidade pra estudar isso.
“para canibais, sapatonas, bichas, pervertidos + estupradores”
DIAVOLO é uma critica grotesca não só ao Japão Imperial, mas também ao Japão atual, todas as criticas podem ser facilmente transportadas do contexto apresentado entre os anos 30/40 para os tempos atuais. Falamos aqui sobre violência, prostituição, consumo de drogas, torturas física e psicológica, falamos também sobre relações entre pessoas (não só relações românticas, mas relações de poder) e sobre abuso, tratamos de temas que podem ser delicados para a população asiática como a guerra e a violência contida nela, falamos sobre luto, e ainda mais coisas.
Em DIAVOLO, os demônios não vieram do inferno, em momento algum caíram do céu, os demônios somos nós, pessoas que vemos a violência e nada fazemos, que abusamos e nos deixamos abusar, que lutamos as guerras de outras pessoas. A legião de demônios apresentada aqui é, simplesmente, uma analogia aos mais obscuros comportamentos que nós temos como sociedade, todos nós sabemos que o submundo existe, mas poucos de nós nos propomos a mexer com essa sujeira. the GALLO, com seus atuais 10 anos de carreira no visual kei, não só se propôs a fazer isso como o fez de maneira sólida e intrépida.
Esse é um dos álbuns mais populares da banda, e por muitos é considerado o melhor, a execução musical realmente é um ponto de virada pra banda, que ao longo dos anos sentiu a necessidade de regravar diversas músicas a medida que suas habilidades iam melhorando. DIAVOLO é sólido, instrumentalmente, melodicamente e conceitualmente.
Algumas referencias:
História do Mundo (2ª Guerra Mundial na Ásia)
Crimes de guerra do Japão Imperial
Cavalo de Madeira (instrumento de tortura)
Massacre de Nanquim
Primeira Guerra Sino-Japonesa
Segunda Guerra Sino-Japonesa
Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente
Ocupação Japonesa das Filipinas
Ocupação Japonesa da Tailândia
Ocupação Japonesa da Manchúria
Ocupação Japonesa de Myanmar (Birmânia)
Ocupação Japonesa da Indonésia
Wikipédia: Íncubo
Wikipedia: Astaroth
Wikipedia: Belial
Wikipedia: Behemoth
Wikipedia: Ziz
Wikipédia: Leviatã
Wikipedia: Súcubo
Wikipedia: Belfegor
Mythology.net: Belphegor, Astharoth, (e todos os outros demônios)
Primeira Guerra Sino-Japonesa
Segunda Guerra Sino-Japonesa
Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente
Ocupação Japonesa das Filipinas
Ocupação Japonesa da Tailândia
Ocupação Japonesa da Manchúria
Ocupação Japonesa de Myanmar (Birmânia)
Ocupação Japonesa da Indonésia
Wikipédia: Íncubo
Wikipedia: Astaroth
Wikipedia: Belial
Wikipedia: Behemoth
Wikipedia: Ziz
Wikipédia: Leviatã
Wikipedia: Súcubo
Wikipedia: Belfegor
Mythology.net: Belphegor, Astharoth, (e todos os outros demônios)