Carência e solidão em DENDROBIUM

Um lançamento diferente das últimas produções da DADAROMA. Uma vibe carregada de elementos psicodélicos. Um clima refletindo alegria e melancolia entre uma música e outra. “Dendrobium”, com certeza, é uma inovação na discografia da banda, porém, ela continua com uma marca muito importante da DADAROMA: os elementos simbólicos e as críticas aos relacionamentos atuais. Nesta análise, a proposta é expor questões musicais, simbólicas e metafóricas, e abordar alguns trechos das músicas, as quais estão traduzidas no blog.



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Mas antes de começarmos a cunhar quaisquer impressões sobre o álbum, é importante falar um pouco sobre o título (pois, assim como em outros discos, ele tem grande influência no tema das músicas). O Dendróbio é um gênero de orquídea de natureza epífita, ou seja, elas precisam de árvores para sobreviver; elas não roubam nutrientes, mas as usam de apoio para sobreviver e seguir crescendo. A espécie é também achada em diversas cores em suas folhas e são conhecidas como “olho-de-boneca”. Agora, dito esses detalhes aparentemente irrelevantes, vamos falar sobre o Single.

Me olhe mais.

Com esse chute inicial em um experimento de efeitos psicodélicos antes de entrarmos aos primeiros riffs pesados, Yoshiatsu parece nos pedir sua atenção. A música transpassa três gêneros diferentes; elementos psicodélicos/eletrônicos, um metal progressivo e um toque gótico de fundo em alguns trechos. Como a flor que a música recebe seu nome, ela tem várias cores, inclusive no clipe marcado de muito psicodelismo. A música de abertura nos convida a experimentar uma loucura musical; temos trechos cantados melodicamente, outros mais gritados, outros sobrepostos em efeitos “caixa de rádio”, usando e abusando dos efeitos de produção musical.

Mais que as palavras “eu te amo”
Abrace-me fortemente.
Porque, tal amor quando toma forma
Se quebra instantaneamente.

Poderia escolher a grande maioria dos trechos da música, mas este centraliza perfeitamente a mensagem inicial dela, pelo menos em sua primeira parte. O eu-lírico canta como ele precisa do relacionamento desde o começo; com “beijo” e “sexo” platônicos, inclusive; ele nem precisa que aconteçam de verdade. Essa é a ideia, para o narrador é mais importante manter a pessoa por perto do que chegar ao amor, pois, segundo ele, palavras como “eu te amo” só estragam tudo – uma crítica à banalidade dessas palavras no mundo atual. O eu-lírico precisa desse apoio e, embora ele não queira perder os beijos e sexo, ele prefere que eles não aconteçam e se tornem platônicos se isso evitar o mal-uso do “eu te amo”, ou como ele mesmo chama na música, o “amor barato”. Só há um problema nisso…

Ela é uma garota que quer uma canção de amor de verdade.

Com esse trecho o eu-lírico deixa claro como a outra pessoa quer um romance e ele, não. Ele não se sente apaixonado, mas quer continuar o que eles têm por lhe ser confortável. “Love Song” como ele diz é basicamente uma música sobre paixão e amor de forma romântica. A garota com quem ele se encontra quer esse tipo de conteúdo dele – mas ele só pode transmitir “sentimentos sufocantes e vazios” que estão no fundo de seu coração, pois ele não a ama. Ele simplesmente precisa dela como um Dendróbio precisa de uma árvore.



Então entramos na segunda música do Single. “最後に抱きしめたあなたは少し泣いていた (saigo ni dakishimeta anata wa sukoshi naiteita)” ou “Na última vez em que te abracei você estava chorando um pouco” ressoa como uma “Love Song” melancólica e fofa, inclusive em sua letra, mas é aí que a DADAROMA se restabelece como uma banda altamente inteligente em suas produções. Mas e se eu te falar que essa é uma música mais cínica que romântica?

Te feri tantas vezes
Por ter essa personalidade
Desde então seu sorriso ficou nublado, né?

Que personalidade? Oh, claro, a citada anteriormente em Dendrobium. Antes tivemos a visão de um eu-lírico carregado de cinismo e descrença no amor, mas querendo, precisando, vivenciar aquele relacionamento. Já em SNDAWSN temos um eu-lírico “desculpando-se” pelos estragos causados na outra pessoa. E ele não tenta nem disfarçar muito tempo. Na segunda estrofe ele já fala “Não posso dizer que não vou embora, sinto que já não posso mais sujar seu futuro” uma ligação direta a música anterior e aos primeiros versos da música em que ele diz “Falávamos muito sobre essas promessas vazias de futuro, né?”.

Sem dizer adeus
acenamos e dissemos “até mais” 
muitos dos sapatos alinhados estavam pela metade
e eu finalmente percebi que você tinha muita paciência 
Pouco a pouco, abrindo a distância entre nossos corações
e eu nem tentei perceber
Desde então suas lágrimas aumentaram, né?

Mais um trecho conectando-se a música anterior; o eu-lírico parece ter convivido com essa pessoa por muito tempo, distanciando-se mais do amor enquanto a mulher ficava cada vez mais triste. Ele nota como ela é paciente ao mesmo instante em que percebe que passou dos limites e, implicitamente, se pergunta “como ela suportou tanto?”.

Essa música é cínica, pois o eu-lírico não parece se importar realmente com a outra, mas não quer causar ainda mais mal; por outro lado, ela é extremamente triste se pensar que a mulher deixou-se levar num relacionamento sem profundidade, sendo usada pela carência do outro – ou será que ela também precisava de uma árvore? Esse tipo de pensamento parece ser a grande chave do álbum: nós, como seres humanos, dependemos de outras pessoas. 

Até mesmo a despedida citada na música é como uma situação casual, exatamente como o relacionamento apresentado como tema do Single. Mas o eu-lírico ainda tenta se esforçar para não ser um cafajeste total ao dizer “Obrigado por estar ao meu lado até agora, darei meu melhor sozinho daqui em diante” – uma maneira polida de terminar, bastante comum no Japão, mas aqui bastante cínica, pois o eu-lírico não quer ficar sozinho nesse sentido e apenas não quer também machucá-la, embora não pareça se importar realmente de achar outra pessoa e machucá-la também.

捨て猫のロンド(suteneko no RONDO)

E com essa frase seguida de uma sequência de bateria, guitarra e vocais de fundo, entramos na última faixa e não menos genial. Uma música que se concentra em um ritmo repetitivo e animado na maior parte do tempo e mais pesado em outros, abusando do baixo e da habilidade vocal rápida do Yoshiatsu. Depois de vermos um eu-lírico que está precisando de relacionamentos vazios de amor e até é cínico ao se despedir desses mesmos relacionamentos, caímos em uma música falando de um… gato? Será mesmo? Essa música merece uma atenção redobrada, pois ela encerra os três atos do Single com uma série de metáforas e simbolismos.

Veja só o que encontrei, este é um bom lugar secreto
O jantar será camarões fritos rançosos
E vou hidratar minha garganta nessa vala cheia de água
Pra onde será que vou essa noite?!

A estrofe de abertura é genial; depois do término, o eu-lírico para em um lugar qualquer, sendo cantado como um “ar infantil”, uma história sendo cantada. Como temos a impressão de ser a música sobre um gato de rua (rondó é um estilo de composição musical, mas a música em si não é um rondó, assim como ela não fala de um gato de rua, genial, não?), levamos ao pé da letra, mas a grande sacada está no segundo verso ao citar o Ebi Furai (camarão frito).

O prato é famoso em “Bentous”, além de ser um alimento bastante popular entre crianças. É o tipo de pessoa que vimos até agora no Single, um homem que precisa de alguém para sobreviver, como uma criança. O eu-lírico dessa música não é sobre um gato, mas sobre o mesmo das outras duas músicas. Então por que o uso do gato? Porque ele é galante, ele é livre, um animal noturno, um animal solto, sedutor, exatamente como o eu-lírico se vê. É interessante notar que o prato é ainda mais popular na região vizinha a cidade natal de Yoshiatsu.

O terceiro verso conta com o termo “ippai”, uma contagem típica para drinques, sugerindo que a “água da vala” seja álcool, concluindo que o homem está se embebedando, por isso ele está curioso sobre seu destino pela noite.

Um cão usando uma coleira
deu risada de mim
[mas] se você olhar pelo meu ponto de vista
você é o mais desprezível e miserável 
Não sei o porquê, mas me sinto um pouco solitário
[quando] durmo nesse beco enquanto cai a chuva
Como sou livre, vou viver sem ser amarrado
e olhar as luzes das casas.

O cão usando coleira nada mais é que um homem compromissado (seja com uma mulher ou com a vida em geral, emprego, etc). O eu-lírico sabe que ele está sendo alvo de piada pelo seu estado, mas, para ele, quem é realmente digno de pena são essas pessoas presas em coleiras. Nesta parte, embora ainda siga a fórmula de contar uma história de maneira sutilmente infantilizada e cantada, ao final do verso “você é o mais desprezível e miserável” a música tem uma reviravolta, tornando-se mais rápida e agressiva, exatamente no momento em que o eu-lírico nota que está solitário vivendo assim, mas como é livre, não vai se amarrar em ninguém ou nada, apenas seguir a vida pela cidade.

Agora começo a correr
confiando somente na luz da lua
e derretendo-me na escuridão
Meu rondó do gato abandonado

Chegando ao fim do trecho, a agressividade vai diminuindo na voz, e retorna à sonoridade calma e quase infantilizada no último verso. O eu-lírico está perdido na noite, seu rondó de gato abandonado é apenas uma metáfora para uma vida repetitiva. O rondó é marcado pela composição de (A B A C A), ou seja, uma repetição de seções da música, embora as repetições possam variar, elas sempre se expressam pelo A entre outras seções, transformando-a em um ciclo. A expressão “Meu rondó de gato abandonado” é uma forma de elucidar que as coisas se repetem, mesmo que tenham mudanças no meio, provavelmente as pessoas em quem ele se gruda mudam, mas não sua necessidade de estar com alguém.

O gato abandonado que só tinha uma orelha ficou magro
e o machucado em sua perna direita ficou podre.
Será que aquele cão que me vê com maus olhos
está dormindo em uma cama quente?!|

Após um solo incrível de baixo e até um gato miando, a música retorna a um metal progressivo e ambiental, para então retornar a narrativa do eu-lírico de forma épica; o gato abandonado ficou cada vez pior (importante ressaltar que Yoshiatsu usa um enorme alargador numa das orelhas, indicando que o gato possa ser ele mesmo) e então contempla a questão: será que as pessoas presas a algo/alguém estão dormindo no conforto de um lar? Neste trecho a música retoma sua agressividade e velocidade que continua assim até o fim, nas seguintes estrofes:

Provavelmente, essa será a última noite
 [em que] durmo nesse beco enquanto cai a chuva
Como sou livre, vivi sem ser amarrado
e olhando as luzes das casas. 
Caí no sono
nesse beco onde não há mais ninguém
solitário
abandonado nesse beco 
confio somente na luz da lua
que vi pela última vez
 [enquanto estava] ficando gelado.
Meu rondó do gato abandonado

O eu-lírico continuou bebendo indiferente. Ele adormece no bar, sozinho, sentindo-se abandonado. Sua última esperança é confiar na noite que virá, para repetir mais uma vez tudo. O termo usado para gelado é “tsumetaku”, comumente usado para expressar coisas frias como em “sangue frio”, mas é muito comum na poesia japonesa o uso desse tipo de expressão para a falta de calor humano, exatamente como o eu-lírico encontra-se neste momento ao adormecer num beco.

Essa é uma música sobre não ter um rumo, ser completamente livre, e como isso pode ser solitário e triste; ainda mais para um eu-lírico que necessita de outras pessoas, exatamente como em Dendróbio.


CONCLUSÕES




DADAROMA não veio para brincadeira com esse Single. Uma mudança brusca de visual, letras “diretas” (mas com suas ambiguidades quando analisadas de outros ângulos), mistura de passagens pesadas e uma balada. Um Single bastante diferente, inesperado, eu diria. Yoshiatsu brincou menos com seus rasgados, drives, guturais e toda sua parafernália vocal de outros lançamentos, mas não perdeu o jeito em escrever sobre coisas reais do nosso mundo. Sua voz esteve bem equilibrada para sustentar os ritmos mais rápidos, mas ainda peca em canções mais lentas, falta sensibilidade em sua voz, mas isso é o comentário mais pessoal dessa análise. Takashi está destrutivo na guitarra, atravessando riffs pesados a momentos mansos com maestria, mas minha maior surpresa foi o Ryohei nas baterias, seu trabalho está incrível, até a música mais calma tem sua presença absurdamente forte. Por fim, não posso deixar de falar do solo de baixo apresentado muito bem pelo Tomo em “suteneko”, aquilo foi de arrepiar ao criar uma atmosfera pesada em meio a uma harmonia mais “animada”.

O título do Single é genial ao analisar cada uma das músicas como um todo. “Dendrobium”, uma flor que precisa de uma árvore, um ser maior e mais resistente, para sobreviver; Dendrobium, um homem que precisa de uma pessoa para sobreviver e, sem ela, vive como um gato falsamente livre, sozinho e frio nos bares. Uma jornada na vida desse ser carente, desesperado por outras pessoas, mas desiludido com a vida – que nada mais é que o próprio ser-humano. Uma narrativa fantástica que só a DADAROMA poderia nos conceder em três atos. Uma mistura de tristeza, revolta e autopreservação presente nas letras. O mundo desenhado pelas canções de DENDROBIUM é um lugar difícil para os românticos, pois parece que ninguém mais está interessado no amor sincero, só naquele barato e feio.


Essa foi uma análise de GOGUN.
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