Já
faz um tempo desde os últimos reviews, né! Hoje decidi falar sobre o Humanoid do Develop One’s Faculties.
Geralmente acho DOF muito difícil de traduzir, mas esse single foi
relativamente simples de entender (e foi um dos meus lançamentos
favoritos dos últimos 5 anos, kernel tudo para
mim).
Como já deve saber, minhas revisões passam parte a parte as letras das músicas visando trazer algumas interpretações possíveis sobre os temas delas, lembrem-se: arte é lindo porque cada pessoa vai experienciar de maneira ímpar, as interpretações que estou colocando aqui estão longes de ser as únicas formas de interpretar esse trabalho.
A começar do título: “humanoide” é tudo aquilo que apresenta formas ou características humanas, também é aquilo que age ou parece agir como um ser humano, e só isso já deve deixar bem claro que vamos lidar com alguns temas bem existencialistas, né!?. Vamos lá!
1 – Hey!
Entramos no universo "humanoide" com ねえ (nee), que parece falar sobre o comportamento de rebanho e sobre as coisas que fazemos sob a influência dos outros, coisas essas que, no fundo, nem sempre nos fazem bem.
Logo de começo temos um eu-lírico questionando quem é que governa o que sentimos e como nos comportamos: por que fazer o que você quer é algo tão natural? Afinal, se eu estou vivo deveria poder fazer o que quero, o dia está bonito, então, por que eu estou tão triste?
Ei, ei, por que obedecer suas vontades
se tornou algo natural?
Ei, ei eu também estou vivo!
Hoje o tempo está limpo. E eu estou chovendo.
E, só com isso já podemos trazer alguns questionamentos bem profundos: O que é ser humano afinal? Estamos realmente vivos se não estamos seguindo nossos anseios, desejos e vontades? Isso é ser humano ou somos somente figuras humanoides subsistindo em favor de outrem?
Já ficou cansado? Pois é, o eu-lírico também parece estar: antes de começar a música em si, temos um som de teclado e um suspiro somado à, no clipe, uma pessoa sozinha diante de vários monitores com aparência cansada enquanto faz uma busca na internet. O que, de forma simples, me remete a coisas desde uma rotina pesada de trabalho até a nossa vida digital (mas essa última pretendo abordar só mais tarde).
Reforço esse pensamento nos versos:
As formigas se reúnem ao redor da hipocrisia
e
As abelhas param ao redor da hipocrisia
Onde os animais escolhidos foram duas espécies de insetos operários das mais famosas e numerosas: as formigas e as abelhas. Representantes simbólicos do eterno trabalho, árduo e incansável; também símbolos de vida em sociedade e trabalho em equipe, sendo que a organização de ambas espécies é baseada em hierarquia, onde cada pequeno animalzinho tem uma função específica na colônia.
Aí eu te convido a se colocar no lugar do nosso eu-lírico e começar a se questionar: qual é o seu papel nessa sociedade? Ter uma adolescência memorável, então, fazer faculdade, depois casar, ter filhos, uma casa própria, um carro? Investir em bitcoin e ser o solitário mais rico da família? Você também é uma formiga, carregando 10x o seu peso no lombo para enriquecer sua comunidade? Isso está te fazendo feliz ou está somente te fazendo sentir terrivelmente cansado?
Então eles seguem falando com os agentes desse poder, lhes dizendo que, por mais que tenham esse controle, eles não são capazes de entender o real valor de cada um desses indivíduos.
Pegar um desses pescoços
deve ser fácil
[mas] O valor de cada único pescoço
você não entende
Então seguimos para um existencialismo, trazendo questionamentos mais pessoais: eu ainda consigo jogar dentro desse jogo? Até quando? Consigo distinguir quem sou e quem é a persona que criei para conseguir sobreviver nesse mundão? E você, suas personas se sustentariam se seus diferentes mundos colidissem?
Eu quis me tornar esse tipo de pessoa, até que esse sentimento
descendeu até ficar negativo
Ser visto interpretando por tais pessoas [me fez questionar]
Quem é você? Que tipo de pessoa você é?
O foco aqui parece ser uma retomada da identidade do eu-lírico, ele se colocou em xeque e está questionando seu papel nesse tal jogo e, a partir desses questionamentos, tenta retomar o controle sobre si, sua personalidade, talvez então sua rotina, como encara sua vida, e sobretudo, sobre estar satisfeito consigo mesmo e sua própria vida.
Após toda essa exasperação temos um breve diálogo com o espelho, que demonstra o quanto essa situação pode ser insustentável para alguns de nós, pois demonstra um distanciamento de si:
Ei, ei, eu de agora
como está seu reflexo?
é mesmo?
Seus olhos são os meus olhos, exceto pelo que não se reflete
“idiota”
No trecho "Seus olhos são os meus olhos, exceto pelo que não se reflete", é como se ele se visse refletido, mas não se reconhecesse naquele momento, como se estivesse separando uma versão de si que questiona de outra versão que se moldou a essa realidade e vive conforme as regras.
Eu consigo tirar vários pensamentos sobre essa música, de uma forma, ela me parece ser um desabafo sobre como podemos ter medo de deixar a vista quem nós realmente somos, agindo, assim, da forma que pensamos que os outros querem, para nos adequarmos, fazermos parte de um grupo ou simplesmente para sobreviver como bons membros da sociedade.
De outra, vejo como um alerta para que não deixemos isso ir longe demais e acabemos nos apagando para existir nos padrões dos outros. O cansaço que essa música expressa me faz pensar muito em depressão e no vazio que sentimos quando nos permitimos viver as verdades dos outros em detrimento das nossas, algo como sentir saudades de si mesmo.
Também consigo ver como uma coisa de artista, que, para se encaixar no mercado acaba se tornando um subproduto humanoide (a teoria mais provável de todas).
2 – O amor é um vírus que se espalha pelo ar
Eu sentia um vento pelo vão, na tarde daquele dia
Com a visão do crepúsculo eu sempre...Nessa fruta doce há veneno escondidoe a mordi sem saberMinha visão está confusa, o que são esses sintomas?Cai na armadilha
Apesar de ser uma coisa comum e natural, não é fácil se relacionar com outras pessoas. Todos somos seres individuais e lidar com o diferente tem sido mais difícil a cada geração que passa. Por mais genuíno que seja, podemos facilmente nos frustrar quando não temos nossas expectativas atendidas. Mas, de onde vêm essas expectativas?
No inconsciente coletivo ainda há um consenso de que um relacionamento de sucesso é aquele onde o mocinho conhece a mocinha, eles se gostam a primeira vista, mas a mocinha geralmente se faz de rabugenta para que o mocinho a conquiste, então, após alguns altos e baixos, eles finalmente ficam juntos e vivem felizes para sempre. (consenso que parece, felizmente, estar evoluindo, apesar de estar acontecendo a passos de tartaruga)
Com uma receita tão irreal de como se relacionar com as pessoas, não surpreende que quanto mais o tempo passe, menos esses valores funcionem na vida prática, isso, porque, o tempo passou, mas não nos deixaram uma nova receita para seguir, não tem ninguém dizendo o que temos que fazer nem como (na verdade, estamos vivendo agorinha o momento da disputa dessas narrativas), e assim:
Impulsos que se tornaram raiva,dor, inveja, ressentimentoQual é o meu rosto agora?De desconforto, de intensidade ou de “mar azedo”¹Eu sentia um vento pelo vão, desde aquela manhãem que o brilho do amanhecer tornou-se desconfortável
De repente, aquilo que poderia (e deveria) ser algo bom, se torna algo completamente indesejado. Afinal, se eu já sei que vou me frustrar para que vou querer isso? E nessa, ele sofre por antecedência e acaba com algo antes mesmo que se desenvolva:
Vamos dizer as palavras pela primeira e última vez:
“eu te amo”O som de chamada não para de tocar
assoviando infelicidadena distância entre amor e ódio
há um mundo invisívelO fio vermelho se alonga e parece não se quebrar
caí na armadilha
Apesar de nos fecharmos para que as relações, o fio vermelho que liga as pessoas que se amam é longo e flexível, por isso, não deixamos de sentir só porque não queremos ou não estamos preparados para tal. É aqui que o nosso eu-lírico decide deixar de lado o comportamento humanoide que antes julgava ser o certo e se permite ser humano, ao menos nessa área de sua vida:
“esqueci dos ideais que desenhei, no passado e até nos dias de hoje”
Eu sentia um vento pelo vão, na tarde daquele dia
Com a visão do crepúsculo eu me deslumbravaCaí na doce armadilha da história entre você e eu
Daquele dia até então, sempre estivemos presos a ela
Levo essa música como convite para que, ao menos em nossas vidas pessoais, nos relacionemos com as pessoas de acordo com nossa própria bússola, isso, ao menos, só depende de nós.
Claro que, pela letra, não necessariamente ele ficou com seu amor, mas, ao menos, ele reconhece o que sente e volta a se permitir deslumbrar com a visão do crepúsculo. Ter sentimentos é parte de ser humano, é sobre isso e ta tudo bem.
3 – Você é o núcleo
Vamos criar uma imagem de você nesse mundouma pessoa talentosa e importante, a vida de alguém
Se você vai morrer ou continuar vivo depende do que sair nos dadosPor favor, pare e de uma olhada
Então, de start nesse jogo chamado vidaA visão distorcida, o ar estagnado
Eu tenho boas alternativas
mas vou descartar essas ideias logo em seguida
Primeiro, gostaria de dar enfoque ao trecho "a vida de alguém", em que eles podem estar se referindo a uma idolização das pessoas (com o perdão do estrangeirismo). Por vários elementos, creio que essa música fala muito da relação deles como músicos na indústria, como a cobrança para serem figuras não-humanas cuja principal função é servirem de objeto de admiração e entretenimento somente.
Mas trazendo para o mundo mortal também podemos traçar paralelos como, por exemplo, o comportamento em mídias sociais, onde tem se naturalizado tanto o avatar que até quem não tem pretenção de ter a internet como profissão pode se ver correndo atrás de engajamento como se isso fosse fazer alguma diferença em sua vida pessoal, mais uma vez, trazendo o tópico do apagamento de nossas personalidades para nos tornarmos figuras humanoides: avatares viciados em likes e em ler comentários crueis sobre um tema qualquer, espetacularizando a vida em stories e, constantemente, nos colocado para baixo porque o feed do outro é mais legal que o nosso.
Também gostaria que você olhasse para o trecho "Por favor, pare e de uma olhada". Aqui, fiz uma tradução bem livre de "yotterasshai miterasshai", vocabulário muito usado por lojistas quando você entra num estabelecimento no Japão, dando a ideia de que a sua imagem é um produto a ser comprado, então atente-se: o que estão tentando te vender? Quem quer que você compre? Por que querem que você compre?
Então nós temos um refrão que quero separar em 2 partes:
1)
Nós seremos capazes de alcançar você? Eu não sei
mas nós vamos erguer nossos pensamentos e lhe estender a mão
Você não é mau, ninguém é mau
A partir de agora, vamos começar a
"proteger aqueles que protegem"
Aqui temos um refrão bastante genérico no visual kei (essa é a cena musical com mais mãos estendidas para ajudar o próximo em todo o mundo). Com isso em mente, podemos pensar que o eu-lírico tenha comprado aquela imagem que estava a venda e esteja jogando o jogo de dentro, ao menos de início, por isso ele diz que você nem ninguém é mau, porque precisamos jogar esse jogo para sobreviver. Porém, ele segue:
2)
Vamos acender uma luz nesse mundo caótico
você mesmo é o “núcleo”, o tempo não vai voltarVamos continuar a progredir, vamos continuar a caminhar
Se quiser ajuda, essa mão está estendida pra você
Então, temos a mensagem otimista que mencionei antes, de dentro do jogo ou "nesse mundo caótico" se preferir chamar assim, acenda a sua luz (esclareça sua mente) e veja: você é o núcleo de tudo, se o jogo da vida não para (tal qual o tempo), jogue-o, mas jogue-o por você.
Reforço essa ideia nos trechos:
Se você não entender “a”, basta adicioná-lo
o que importa é se sentir vivo, você está vivo e isso é maravilhoso
e
Quero que você perceba
~~#~~
Humanoid é curtinho (diferente desse texto, me perdoe) e tem ritmos bem contagiantes. Uma mensagem densa é trazida de forma leve, disfarçada em ritmos divertidos e aconchegantes. O que você acha? Em alguns trechos eu levei pra um lado meio dark né?! Você tem alguma interpretação dessas músicas? Compartilhe seus pensamentos comigo aí nos comentários, vou adorar ver seus pontos de vista!