Distanciando-se de si mesmo em Rijin, novo Single da DIMLIM.
Essa
é uma análise focada no novo lançamento da DIMLIM, Rijin (離人,
lit. Despersonalização). O texto se propõe a desenhar explicações
técnicas sobre os termos usados, assim como analisar a música como
um todo, desde seus arranjos, melodia, vocalização, letra e clipe.
A interpretação de algumas passagens é fundamentada em
entendimentos da Psicologia e pessoais do autor do texto. Deixa-se
claro que a grande diversão do mundo musical é a múltipla
interpretação das mesmas canções, não tomem como verdade
absoluta a exposta aqui.
A
tradução utilizada está presente no blog, por isso será usado
apenas as partes em português.
O
clipe inicia com a apresentação do nome da banda seguido de um
quadro em branco que subitamente tornam-se lâmpadas de um quarto de
hospital. O paciente se levanta e tem a memória de uma paisagem
branca, uma sombria, e volta ao quarto de hospital onde encontra mais
branquidão, livros, remédios e uma porta fechada com uma janela.
Isso tudo antes do primeiro verso da música. Mas por quê estou
dando tanta atenção a isso? Porque é o ponto de partida para
entender a música inteira:
A
imensidão branca é uma maneira de simbolizar algo passível de
mudanças, uma tábula rasa que podemos colorir ao nosso bel prazer.
Isso significa, também, algo intocado. A transição desse branco e
vazio existencial para um leito hospitalar revela a psiquê do
eu-lírico; uma vida que pouco sabe de si mesmo e agora está num
hospital, acordando-se confuso, como se tivesse tentado desaparecer.
Mas também representa a ideia central do tema da letra: a sensação
presente na Despersonalização.
“Quem sou eu?
Por que fugir das dúvidas que estão no interior deste corpo?”
O
primeiro verso é cantado por uma pessoa inteiramente de branco num
quarto isolado antes de iniciar uma transição mais pesada no ritmo,
onde cenas do paciente contemplando um quarto vazio passam com a
banda e o próprio paciente em confusão (crise) sentado antes de dar
continuidade na letra – que inicia após mostrar os batimentos
cardíacos de alguém. A maneira como é cantada expõe fragilidade
na voz de quem canta.
“É estranho que eu seja eu e é estranho que seja estranho…”
O
verso é cantado em uma amostra do Paciente de Branco onde imagens de
batimentos cardíacos, contemplação do próprio corpo e a confusão
mental são elucidados no vídeo. O título da música nos dá uma
pista sobre o que está acontecendo.
A
Despersonalização é uma espécie de transtorno
dissociativo, onde a pessoa pode não se sentir dentro dela mesma,
assim como pode não ter a noção de que seus próprios membros lhe
pertencem. O evento pode acontecer por altas cargas de estresse,
traumas e junto de outros transtornos psicológicos. O indivíduo
pode sentir-se como um expectador da própria vida, assim como não
ter a assimilação do que é mesmo seu. É como viver em um mundo em
branco, onde você não tem nenhuma atividade, apenas observa seu ser
vivendo. Muitos se declaram como mortos-vivos, pois não tem a
sensação de viverem de fato, embora considerem que, sim, quem eles
observam vive. Sentem-se muitas vezes irreais, como se fossem meras
peças de sonhos. É interessante como alguns pacientes podem
caracterizar o mundo como sem cor – uma alusão ao branco
total descrito no clipe da música. Outros fatores que podem
acontecer, por conta da desrealização é ver as coisas
distorcidas, sentir-se vendo tudo pela ótica de um grande vidro,
entre outras coisas apontadas no clipe.
“Só consigo sentir [meu] pulso quando abraço até os limites da sensação de desconforto
Quem sou eu? Porque fugir das dúvidas que estão no interior deste corpo?
Estou vivo? Estou aqui…”
Em
mais uma transição de ritmos, a música recebe uma nova estrofe que
repete a de abertura. Os pacientes sabem que a sensação de
irrealidade não é real, ou seja, eles conseguem ter a noção do
transtorno e seu sofrimento é adjacente. O primeiro verso reforça a
ideia de que, porém, para chegar a essa compreensão o eu-lírico
precisa alcançar níveis extremos de despersonalização (o que pode
levar a danos ao próprio corpo, dependendo da intensidade e de
outros fatores). A vocalização é expressa em dois vocais, um
carregado de vibrato em tom grave e outro mais extensivo em agudo, o
vibrato aplicado nesse trecho sacode a música como se o indivíduo
estivesse trêmulo e em sofrimento, enquanto que o agudo de segunda
voz rasga o último verso como um grito de socorro, pois é como se o
observador e o que vive estivessem cantando juntos. No segundo verso
o eu-lírico não se reconhece e tenta entender o motivo de se
afastar de si mesmo, tentando achar uma resposta para seu transtorno.
Já no terceiro verso, ele não consegue entender se está mesmo vivo
(reforçando a ideia de que, talvez, ele tentou alguma coisa contra a
própria vida), mas entende que está ali.
“Ouço de longe…
Na minha consciência ambígua, essa sensação horrível é apenas meu batimento cardíaco”
Neste
trecho a música usa e abusa dos efeitos possíveis graças aos
softwares de produção musical. O primeiro verso é cantado com
distorção para dar a impressão de distanciamento, reforçando a
ideia de sentir-se desconectado do próprio ser, ouvindo-se longe
dele mesmo. O clipe apresenta o “Paciente de Branco” observando
um “Paciente de Preto” levantando-se no seu leito com o rosto em
distorção. E ao fim do segundo verso é adicionada o sample
de um batimento cardíaco. A representação do trecho e do vídeo
nos mostra uma personificação do transtorno; o observador
enxergando o que vive, exatamente quando ele acorda e se levanta (no
começo do clipe). O clipe, então, está acompanhando a visão do
expectador (a pessoa com o transtorno).
“A realidade é tingida de branco, e desaparece momento por momento…”
Ou ainda…
“O agora é tingido de branco, e desaparece momento por momento…”
O
verso seguinte é cantado em um tom mais sombrio, mais baixo, com o
clipe mostrando o Paciente de Branco observando alguém e o Paciente
de Preto no seu leito, havendo uma transição com batimentos
cardíacos antes de finalizar o verso no vibrato e iniciar um solo.
Ambas as traduções (do texto e do verso cantado) se encaixam
perfeitamente na situação; a realidade sendo tingida de branco é
uma forma de representar os efeitos da Despersonalização tomando
conta da pessoa, fazendo-a se distanciar do real e sentir-se irreal.
Junto disso, todos ao redor do Paciente de Branco vão desaparecendo,
como muitos relatam que sentem seu ambiente desaparecer, até
deixá-lo sozinho em intenso sofrimento.
“Quem é esse eu que permanece vivo? Não sei se meu eu [ Self ] está vivo
[eu] não poderia dar uma resposta…”
A
estrofe seguinte é cantada após o solo e a transição para uma
batida mais pesada. A primeira parte do primeiro verso “Quem é
esse eu que permanece vivo?” é cantado num falsete calmo, como uma
dúvida carregada de melancolia. O eu-lírico não se reconhece.
Muito menos entende por que continuou vivo. Já o trecho seguinte
“Não sei se meu self está vivo” é cantado com mais
brutalidade, uma voz mais firme e levemente rasgada, como se o
observador sentisse uma explosão de ira pelo seu sofrimento, por ser
incapaz de entender se o verdadeiro Eu dele (Self é nosso Ego mais
puro, nossa essência), está de fato vivo ou só aquele corpo sem
vida é que está. Então o trecho seguinte é retornado a um tom
mais baixo, embora grave, como se estivesse desistindo ao falar “Eu
não poderia dar uma resposta”, pois o transtorno o impede de
sentir a realidade e ele compreende isso.
“Ei…? Onde é esse lugar? Quem sou eu? Quem são vocês?
Não há dor nem tristeza…”
O
verso é cantado ainda com a expressão de raiva na voz, quase
gritando, pois o indivíduo não consegue sentir-se presente nas
coisas reais, não consegue se estabelecer no ambiente, sentindo-se
em um mundo enevoado, não entendendo quem é quem, e, por vezes,
sendo incapaz até de compreender emoções como tristeza e sensações
como a dor, por estarem de observadores. Porém, essa incapacidade de
se conectar a realidade não deixa a pessoa livre de um sofrimento
absurdo, podendo a alcançar extremos como os citados no verso
seguinte que não é cantado nem aos berros, muito menos em tons
baixos, mas sim calmos e calculados ao falarem:
“Ah, se eu dormir, por favor, me deixe assim
[porque] não é como se eu fosse abrir os olhos”
De
maneira racional o eu-lírico pede que não tentem acordá-lo. Então
há um retorno ao início do clipe onde alguém acorda-se após uma
imensidão vazia em um quarto de hospital, incluído em uma ala para
pacientes mentais graves (em manicômios antigos); neste ponto
leva-se a crer que o eu-lírico tentou suicídio ou está pensando em
tentar, pedindo que não o salvem, pois mesmo que ele volte a vida,
ele não se sentirá abrindo seus olhos, apenas observando o mundo de
fora, apenas assistindo-se reviver. O sofrimento é tamanho que ele
prefere dormir para sempre. Por fim, a música se acalma terminando
com um solo lento de guitarra até apagar-se.
O que podemos concluir da música?
Essa
é uma música nua e crua sobre um transtorno mental. O vocalista
(Sho) já relatou que sofre de Despersonalização [Fonte:
ToppaMedia.com
(em japonês)]. Essa música
é uma forma de ele expor os efeitos
e sentimentos de uma pessoa nesse sofrimento. É muito sincera e se
conecta a muitas fontes de pesquisa sobre o assunto (artigos
acadêmicos e até manuais diagnósticos). A música é uma mistura
de balada com metal progressivo, provocando uma dualidade
interessante para o tema; exatamente como se fossem dois seres
evocados nos nossos ouvidos. Um mais passivo, outro mais ativo. É
fantástico como Sho consegue nos trazer tantos sentimentos vivos em
uma única música, o uso exato de técnicas vocais em determinados
trechos transforma a música em uma peça única no gênero.
Essa
foi uma análise de GOGUN.
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