[Review] II KUSURI – Um bom remédio para quem?


II KUSURI – Um bom remédio para quem?


Essa é uma breve análise focada tanto na letra quanto no clipe da música. Em tempo, a música “ii kusuri (いいくす, lit. Bom Remédio) traz uma melodia pesada muito comparada a sons antigos da DIR EN GREY, assim como o clipe muito se assemelha a uma produção da banda citada. A pegada mais pesada, com drives e outras ferramentas vocais tornam a música uma ótima pedida para quem quer bater cabeça e deixar o tempo passar com uma boa agitação. Mas e o conteúdo da música, será que o remédio é assim tão bom? Deixo de antemão que é uma análise bastante simbólica, não constando nenhuma opinião política a respeito, apenas uma leitura da letra, uma interpretação entre muitas.



A letra abaixo foi retirada da tradução feita no blog mesmo, por isso estará apenas a parte já trazida ao português.


O clipe inicia com um drive potente e a imagem de um gato preto caminhando pelas pernas de uma mulher. Aqui está nosso primeiro simbolismo para entender a dinâmica da música: o gato é um símbolo feminino e a música tem um grande peso no universo feminino. Então, seguimos a seguinte composição:


“ ‘infância’
Eu te vi, e notei
que uma romã apodrecia
Eu já havia sido morto.
‘embrião’
talvez eu estivesse errado desde o começo.”


Essa primeira estrofe é a abertura da música, apelando para o inglês numa expressão mais agressiva. A romã é um símbolo de fecundidade e defloração, normalmente é utilizado quando se fala sobre sexo e gravidez. O ponto de vista aqui parece não ser de nenhuma pessoa externa, mas sim interna, talvez um embrião/feto. A entrada citando infância cria uma alegoria para ser uma visão infantilizada, mas a continuação “Eu te vi e notei que uma romã apodrecia” parece evocar que desde o começo foi percebida a intoxicação do útero e do organismo e como aquilo que foi fecundado estava apodrecendo. “Eu já havia sido morto” continua a deixa de que o embrião está como narrador da história, embora tenha sido “morto” (discussões à parte, eu diria apenas abortado). Neste meio tempo, quando se fala “embrião”, a mulher é derretida e engolida por algo que se assemelha a uma rã, outro animal que simboliza o útero e a capacidade de dar vida ou morte.

Seguimos então para:


À noite [é como] uma espinhenta escada em espiral
escondendo da garoa seiva e bichos-da-seda
Isso não é amor!
Isso não é amor!”

Mais uma vez temos um simbolismo. Uma escada em espiral e espinhenta é simbólica pois representa tanto a elevação como, novamente, a fecundidade feminina e a viagem da alma após sua morte e proteção externa humana. O trecho “A noite [é como] uma espinhenta escada em espiral” também pode ser lida como “A noite / Em uma escada em espiral cheia de espinhos” e carrega mais uma vez a ideia de que a narrativa mostra uma alma de passagem contando alguma coisa – muitos japoneses têm a visão de que o aborto é algo horrível e imperdoável, a DIR EN GREY e outras bandas já falaram sobre isso em algumas músicas, por exemplo.
Ainda nessa estrofe, o esconder-se da “garoa, seiva e bichos-de-seda”, faz uma alusão ao fugir do que é natural, neste caso o parto, e termina exclamando que essa atitude não é amor – uma postura agressiva como se essa fosse a desculpa utilizada, embora a mulher da história tenha feito isso para se proteger, provavelmente.


indivíduos que não conseguem estar sós
lambendo os dedos, brigando com suas bengalas
os insetos rirão, eles rirão
essa noite, me dê, o meu remédio.”

 A estrofe seguinte é ainda mais tenebrosa na crítica; falar de pessoas que não conseguem ficar sozinhas e adicionar “lamber de dedos” e “brigando com suas bengalas” lembram várias coisas: crianças pequenas lambendo os dedos, idosos de bengala, mas também atos sexuais (e pelo contexto até agora apresentado na música, encaixa mais). Neste momento do clipe vemos novamente a rã se debatendo e o gato passeando, com adição de insetos que lembram mosquitos (um símbolo fálico pelo nariz alongado), desenvolvendo uma narrativa que induz a crença da fertilidade feminina e o sexo, incitando que o remédio solicitado pelo narrador não seja nem uma droga nem um maneirismo, mas um método abortivo; bônus: os insetos lembram pragas, enfermidade, muito comum em abortos clandestinos e uso de medicamentos que destroem o organismo, então eles rirem pode ser um deboche do embrião/feto por ser um envenenamento duplo.


É então que a música se torna sombria (no quesito auditivo) com o seguinte trecho:


“eu queria que você me respondesse, você está apaixonada?
entre a fome e a moralidade, perguntava à noite branca
enquanto o piano tocava”


Esse trecho todo parece ser uma visão do que aconteceu fora; entre o desejo (fome) e a moralidade (moral social do momento) alguém perguntou em uma noite inocente (sendo assim, uma noite despretensiosa) se a mulher estava apaixonada. É interessante como nessa parte da música voltamos a mulher se dissolvendo e retomando a forma humana, mostrando outra vez o gato e agora uma mão sai de sua nuca, como se alguém estivesse bagunçando sua cabeça – lembra muito o amor, hum? Mas também pode ser o mesmo embrião de antes questionando-a.
Então voltamos a primeira estrofe. Neste momento a mulher retoma sua forma humana e derruba uma romã cheia de pessoas dentro – inclusive essa cena coincide com o termo “embrião” da letra. Só então continuamos a música, após voltar a situar quem estava narrando tudo, então, como numa rápida passagem temos um novo eu-lírico, contornando para a mente da mulher que, agora, pode muito bem ser uma prostituta ou garota de prazeres – no Japão há espécies de bordéis especializados nessas coisas, existindo quase como um comércio negro, mas que todos sabem, envolvendo até colegiais. A estrofe é a seguinte:

Eu estou vendendo amor por dinheiro?
Você está comprando amor por dinheiro?
Eu não sei.
Eu não sei.”


A mulher parece confusa pensando se o amor pode ser comprado com o dinheiro. Então retornamos ao eu-lírico de antes, narrando mais uma vez de um ponto de vista interno dela:


Até que eu consiga tocar seu coração
eu terei desaparecido
essa noite, me dê, o meu remédio.”


Com isso temos, mais uma vez, uma declaração de morte: antes de sua formação começar a tocá-la no coração, como o primeiro chute e movimento, ele desaparecerá, porque ela começou o tratamento abortivo e ele sabe que a noite receberá mais.

O que podemos concluir da música?


Ela é extremamente pesada. Em vários sentidos. Abordando um ponto de vista do embrião ou feto, o Yoshiatsu cria um clima sinistro muito semelhante a “mazohyst of decadence” da DIR EN GREY (uma música com o mesmo ponto de vista). Entretanto, DADAROMA ainda questiona pontos mais sérios do que o simples ato de sexo desprotegido ou acidentes, ele coloca o dinheiro como chave da história.
Temos uma narrativa sobre um processo de aborto por meio de remédios, mas também sobre uma mulher cujo sexo foi apenas uma moeda de troca, onde ela nunca recebeu amor, apenas desejos e dinheiro e acabou precisando se proteger para continuar vivendo, assumindo que assim seria melhor para todos – um ato de amor – e portanto, isentando-se do que está fazendo do ponto de vista do narrador, mesmo que isso a destrua por dentro.
É uma música bastante neutra sobre o assunto, diferente de outras bandas que se posicionam contra ou a favor claramente. Yoshiatsu parece apenas questionar uma experiência disso em meio a tantas – uma prostituta? Uma amante? Uma acompanhante? Há muitas interpretações. O fato é que a música tem um clima sinistro e bastante simbólico, terminando em uma aceitação moribunda do eu-lírico que não conseguirá sobreviver a este “ato de amor”, mas está cheio de ironias para sua (im)possível mãe.


Essa foi uma análise de GOGUN.
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